terça-feira, 6 de agosto de 2013

Congado é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial

CHAPADA DO NORTE
A Congada de Nossa Senhora do Rosário, da Comunidade de Misericórdia, forma de expressão tradicional digna de reconhecimento e valorização pelo poder público e pela sociedade, foi reconhecida como patrimônio cultural do município de Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha, através do instrumento de registro do patrimônio imaterial. O processo de registro foi realizado entre os anos de 2011 e 2012. A equipe de pesquisa da Oca – Arquitetura e Patrimônio Cultural teve a satisfação de participar do processo, acompanhando o grupo durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte e no cotidiano e ambiente de vida dos seus integrantes.
O grupo, que surgiu em meados da década de 1980 na Comunidade Quilombola do Córrego de Misericórdia, tem sua expressão cultural-artística fundada na prática da Maromba, uma espécie de mutirão de roça permeado de elementos simbólicos em torno da “troca de dias de trabalho”, do lazer e religiosidade como produtos e produtores da solidariedade grupal. Pelo modo de vida camponês, esses agricultores se valiam desta prática de trabalho para garantir sua reprodução social, reafirmando as suas representações comunitárias e tradições a partir de suas cantigas e danças afro-brasileiras num contexto de celebração da fertilidade.
Segundo os integrantes mais antigos do grupo, a prática da Maromba ocorria da seguinte maneira: No caso de uma colheita de milho, por exemplo, o dono da lavoura convocava outros agricultores, não somente da comunidade de Misericórdia, como também das redondezas, para que se juntassem e realizassem o trabalho de colheita. Eles se dividiam em dois grupos e, entoando cantigas – de forma que um cantava e o outro respondia – faziam a colheita da lavoura. Porém, se durante aquele momento algum lavrador encontrasse uma flor de parreira, pronto! Era dia de festa e brincadeira! Acabando o serviço, todos iam para a casa do anfitrião – responsável pelo fornecimento das comidas e bebidas - onde os lavradores, mulheres e filhos passavam a noite toda cantando e dançando.
A comunidade de Misericórdia se destacou pela notável qualidade de seus cantos e danças. Era a Maromba da Misericórdia muito admirada na região. A partir da influência de um vigário da cidade, Padre Paulo, e da liderança da finada Dona Eva Congadeira, formou-se o grupo “Congada de Nossa Senhora do Rosário de Misericórdia”. A partir de então o grupo passou a se apresentar na principal festa da cidade, a Festa de Nossa Senhora do Rosário, da qual se tornou um agente constituinte indispensável. O grupo é freqüentemente convidado para realizar apresentações em várias cidades da região e já se apresentou em varias outras de médio e grande porte no estado de Minas Gerais e outros estados brasileiros. Atualmente, a Congada de Misericórdia é composta não somente pelos moradores da comunidade de origem, mas também por novos integrantes que residem na sede do município de Chapada do Norte.
A lavoura não é o “carro chefe” das atividades econômicas dos congadeiros e congadeiras. Em decorrência de um projeto modernizador desastroso posto em prática na região nas décadas de 1970 e 1980, da contínua fragmentação intrafamiliar das terras e a consequente intensificação do seu uso e esgotamento, assim como, da ausência de políticas públicas voltadas para a real necessidade das populações tradicionais, a migração sazonal para o trabalho no corte de cana e na construção civil tornou-se a prática que permite, de forma degradante e incerta, essas populações se reproduzirem como quilombolas e camponeses e, em muitos casos, “novos citadinos”.
A prática da “Maromba” não acontece mais, mas seus elementos se perpetuam, em constante resignificação, por meio desta forma de expressão afro-brasileira que é símbolo de arte, religiosidade, etnicidade e resistência.

Texto: Frederico Magalhães Siman – cientista social e mestrando de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
Fotos: Ana Luiza Marigo e Isabela Grossi